12 agosto, 2006

ESCOLA DA PONTE

APRENDENDO COM A CULTURA DA SOLIDARIEDADE
Existe. Está na Vila das Aves no norte de Portugal. Trata-se da Escola da Ponte, experiência pedagógica que pode ser relacionada com liberdade, criatividade, autonomia e coletividade. Desde o final dos anos setenta, a escola pública foi se tornando referência ao aprendizado da cidadania. No 6º Encontro sobre o Poder Escolar, realizado em Pelotas (RS) de 18 a 21 de julho, houve a participação do professor português José Pacheco. Ele explanou sobre o desafio da escola cujas duas centenas de alunos, não estão divididos em turmas, não há controle através da chamada, nem são feitas as provas tradicionais. A escola é exceção pois, em decorrência da trajetória consolidada através de parâmetros humanistas, houve a conquista da autonomia. O Estado, após os resultados diferenciados, que evidenciaram a qualidade do ensino, teve de acatar a experiência. A fundamentação teórica, conforme o professor, interage com as variadas vertentes da educação. Porém, não se trata de apego a determinado “fóssil teórico”. Na aventura cotidiana das diferentes necessidades, adaptam-se as leituras e postulados. No entanto, uma afinidade é reiterada pelo professor. Ele compara o desafio com alguns dos princípios formulados pelo educador brasileiro Paulo Freire.
PROJETO COLETIVO – Durante a ditadura Salazarista, Pacheco esteve na resistência e penou na prisão dos militares. Até chegar à Escola da Ponte em 1976, conta que trabalhava com a prática convencional. Mas, diante de nova realidade, foi provocado a refletir e criar. Ao chegar na escola, deparou-se com prédio sem banheiro, que acolhia alunos considerados como a “turma do lixo”. Alunos alcoolizados, insultando professores, marcados pela pobreza. O projeto coletivo implicou em mudanças. Assim, alunos foram surpreendidos pela pergunta sobre o que gostariam de aprender. Conforme o professor, as crianças e jovens diziam que jamais havia sido feita tal consulta. Desde então, o empenho por “utopia realizável”. Se as turmas foram abolidas, e os encontros ocorrem em espaços amplos, estimulando a troca, diálogo e aprendizado compartilhado, também os professores passaram a vivenciar outra realidade. O livro-ponto foi extinto, não há controle de horário, tampouco as faltas. E Pacheco acrescenta que, sem o controle, o que pressupõe a responsabilidade, os professores não faltam e geralmente permanecem mais tempo na escola. O projeto é coletivo, instigando a “cultura da solidariedade”. O aluno define o tema de estudo, e conta com o professor como orientador. A descoberta inicial leva a outras questões, e coletivamente todos aprendem. O individualismo cede espaço à convivência democrática, reunindo dede o portador da Síndrome de Down até filhos de desempregados e profissionais liberais.
PAIS participam diretamente dos rumos. Através de associação, integraram-se à proposta de transformação. E foi com o respaldo dos familiares dos alunos, que a Escola pôde justificar a experiência. Afinal, conforme o professor, a pressão acontece, surgem calúnias, tentativas para desestabilizar a iniciativa. No entanto, tratando-se de coletividade, o Estado não conseguiu a retomada do livro-ponto, folha de chamada e toda gama de ações da escola tradicional.
ASSEMBLÉIAS - O professor português enfatizou o exercício coletivo. Assim, mencionou que semanalmente acontecem as assembléias. A função de presidente é exercida pelas crianças. Há silêncio, participação e propostas. Trata-se de aprendizado da cidadania. E os alunos debatem inúmeras questões do cotidiano escolar. A exemplo, conforme o professor, o aluno que chegou na escola,mantendo a indisciplina, afronta e individualismo. Insultando colegas e arredio ao ritmo dos estudos, sua conduta foi avaliada pelos colegas. Para “defendê-lo”, menina de sete anos. Ela argumentou aos outros que, se já haviam passado nas imediações da igreja, talvez tivessem ouvido o recado “amai-vos uns aos outros”. Na seqüência, sugeriu ao grupo que o colega contasse com uma “Comissão de ajuda”. Nos dias seguintes, a cada palavrão ou gesto indisciplinado, de imediato a “comissão” surgia para orientar o colega de que ele poderia ser bom. Como resultado da “cultura da solidariedade”, orgulha-se Pacheco, em exame nacional de avaliação, os melhores resultados desempenhados foram de alunos de “Ponte”.
A GRAMÁTICA DA MUDANÇA
O professor José Pacheco conta que, quando perguntado sobre como mudar a educação, geralmente sugere a “extinção do respectivo Ministério”. Além de provocar riso, a manifestação também identifica a luta pela transformação. Afinal, na Escola da Ponte houve inúmeras estratégias para que se efetivasse a postura libertária. À margem dos ditames formais e burocráticos, houve o espaço a mudanças. De acordo com o professor, trata-se de “gramática”, com vários capítulos. Assim, se a experiência já é referência internacional, também há o lado da angústia e sofrimento. Como prática que visa desconstruir a escola arcaica, opressora, cujos valores reiteram o individualismo, têm ocorrido ameaças covardes. A exemplo, desde panfletos lançados nas proximidades até críticas na imprensa, publicadas sob pseudônimos.
PRINCÍPIOS – Bem-humorado, Pacheco comunica-se com facilidade. O ato de ser estrábico serve como motivação para o elogia à diferença. Muito além da condição física, a alusão facilita a abordagem sobre princípios. Entre os parâmetros que embasam a cultura da solidariedade, ele expressa alguns passos: “Educamos na cidadania e não para... Não há diretor nem precisamos, todos são responsáveis pelo coletivo. Horizontalizamos o poder e todos são diretores. É preciso desconstruir a hierarquia da idéia de escola. A prova não prova nada, ninguém explica sobre a necessidade de turmas, ou o porquê da aula com cinqüenta minutos. Nosso compromisso é garantir a todos tanto o acesso quanto sucesso. E as críticas esvaziaram, pois nossos alunos foram os melhores nos exames nacionais”.

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